
PROPOFOL|
fármaco, droga ou veneno?
Síndrome da Indução do Propofol
A administração prolongada de Propofol, por um período superior a 48h com uma dose superior a 4mg/kg/hora, pode conduzir a uma situação patológica rara, mas extremamente grave, designada de Síndroma de Infusão do Propofol (22).
Fisiopatologia e Fatores de Risco
O Propofol tem a capacidade de inibir a enzima carnitina palmitoil transferase I, presente na membrana externa mitocondrial e envolvida no processo de beta-oxidação (23). Ao promover defeitos nesta via de metabolização de ácidos gordos, o Propofol promove a acumulação destes em órgãos como o fígado e ainda uma maior predisposição para arritmias cardíacas (24).
Para além disto, sabe-se que o Propofol interage diretamente com a cadeia transportadora de eletrões da mitocôndria, inativando a citocromo C e citocromo a/a3 e diminuindo a atividade dos complexos II, III e IV da cadeia transportadora de eletrões e coenzima Q (22).
O decréscimo das reservas de glucose e consequente aumento da necessidade de metabolização lipídica, stress exacerbado, administração de catecolaminas e uso de glucocorticóides são fatores de risco para o desenvolvimento da Síndrome de Infusão do Propofol (22).
Apresentação Clínica e Diagnóstico
Vários sistemas de órgãos são afetados pela Síndrome de Infusão do Propofol, entre eles o cardiovascular, hepático, renal, metabólico e músculo esquelético. Das manifestações no sistema cardiovascular fazem parte o alargamento do complexo QRS, Síndrome de Brugada, taquicardia, arritmia e assistolia cardíaca. No músculo esquelético, a Síndrome manifesta-se por miopatia e rabdomiólise. As manifestações metabólicas incluem High Anion Gap Metabolic Acidosis (HAGMA), devido à acumulação de ácido lático (25). Relativamente à componente hepática, pode observar-se hepatomegalia, esteatose e elevação das enzimas hepáticas. A hipertrigliceridémia, apesar de ser uma desordem metabólica presente, é também uma consequência da administração de propofol pelo que não pode ser considerada per si uma característica da Síndrome de Infusão do Propofol.
Devido à inespecificidade de sintomas da Síndrome e sobreposição com outras condições patológicas leva, muitas vezes, a formas de doença críticas, pelo que é importante que o clínico esteja atento a pacientes “de risco”, podendo atuar atempadamente (26).


Tratamento
A um paciente suspeito de estar a desenvolver a Síndrome de Indução do Propofol é interrompida, em primeira instância, a administração de Propofol. A correção da acidose metabólica inclui, apesar de controversa e não universalmente aceite, a administração bicarbonato de sódio, assim como terapêutica de substituição renal. Esta terapêutica deve ser instituída em casos de hipercalémia e rabdomiólise (27, 28).
Os pacientes que exibem disfunções e arritmias cardíacas têm uma taxa de mortalidade mais acentuada no caso de ocorrência da Síndrome de Indução do Propofol. O choque cardiogénico, se ocorrer, deve ser tratado recorrendo a vasopressores e inotrópicos, tais como a noradrenalina e dobutamina, assim como dispositivos mecânicos em casos refratários (29,30). Sabemos que o Propofol atua como bloqueador beta, assim como bloqueador dos canais de cálcio das células do músculo cardíaco, factos que levam a que a utilização de compostos que mimetizam a ação das catecolaminas seja menos eficaz (31,32).
Em casos refratários de Síndrome de Indução do Propofol, deverá ser considerada a oxigenação por membrana extracorpórea (28). A monitorização de outros aspetos comuns nas unidades de cuidados intensivos não devem ser descuradas, como a monitorização da pneumonia associada ao uso de ventiladores e outras infeções, a profilaxia de trombose venosa profunda, de úlcera de stress, bem como o apoio nutricional. A administração de hidratos de carbono é de elevada importância para prevenir ou minimizar o risco de Síndrome de Indução do Propofol (33,34,35)
A melhor gestão da Síndrome de Indução do Propofol reside, no entanto, na sua prevenção e os seus efeitos devem sempre, quando verificados, ser rápida e agressivamente tratados.
Referências:
22 - Mirrakhimov, Aibek E., et al. "Propofol Infusion Syndrome in Adults: A Clinical Update." Critical care research and practice 2015 (2015).
23 - T.G.ShortandY.Young,“Toxicityofintravenousanaesthetics,” Best Practice and Research: Clinical Anaesthesiology, vol. 17, no. 1, pp. 77–89, 2003.
24 - X. Jouven, M.-A. Charles, M. Desnos, and P. Ducimetie`re, “Circulating nonesterified fatty acid level as a predictive risk factor for sudden death in the population,” Circulation, vol. 104, no. 7, pp. 756–761, 2001.
25 - L. W. Andersen, J. Mackenhauer, J. C. Roberts, K. M. Berg, M. N. Cocchi, and M. W. Donnino, “Etiology and therapeutic approach to elevated lactate levels,” Mayo Clinic Proceedings, vol. 88, no. 10, pp. 1127–1140, 2013.
26 - T. J. Schroeppel, T. C. Fabian, L. P. Clement et al., “Propofol infusion syndrome: a lethal condition in critically injured patients eliminated by a simple screening protocol,” Injury, vol. 45, no. 1, pp. 245–249, 2014
27 . S. M. Forsythe and G. A. Schmidt, “Sodium bicarbonate for the treatment of lactic acidosis,” Chest, vol. 117, no. 1, pp. 260–267, 2000.
28 . J.-S. Rachoin, L. S. Weisberg, and C. B. McFadden, “Treatment of lactic acidosis: appropriate confusion,” Journal of Hospital Medicine, vol. 5, no. 4, pp. E1–E7, 2010.
29 . H. A. Cooper and J. A. Panza, “Cardiogenic shock,” Cardiology Clinics, vol. 31, no. 4, pp. 567–580, 2013.
30 . M. Khan, B. Corbett, and S. Hollenberg, “Mechanical circula- tory support in acute cardiogenic shock,” F1000Prime Reports, vol. 6, article 91, 2014.
31 . W. Zhou, H. J. Fontenot, S.-N. Wang, and R. H. Kennedy, “Propofol-induced alterations in myocardial beta-adrenoceptor binding and responsiveness,” Anesthesia and Analgesia, vol. 89, no. 3, pp. 604–608, 1999.
32. W.Zhou,H.J.Fontenot,S.Liu,andR.H.Kennedy,“Modulation of cardiac calcium channels by propofol,” Anesthesiology, vol. 86, no. 3, pp. 670–675, 1997.
33 M. Mayette, J. Gonda, J. L. Hsu, and F. G. Mihm, “Propofol infu- sion syndrome resuscitation with extracorporeal life support: a case report and review of the literature,” Annals of Intensive Care, vol. 3, no. 1, pp. 1–6, 2013.
34 . A. Wolf, P. Weir, P. Segar, J. Stone, and J. Shield, “Impaired fatty acid oxidation in propofol infusion syndrome,” The Lancet, vol. 357, no. 9256, pp. 606–607, 2001.
35 K.Ahlen,C.J.Buckley,D.B.Goodale,andA.H.Pulsford,“The ‘propofol infusion syndrome’: the facts, their interpretation and implications for patient care,” European Journal of Anaesthesiol- ogy, vol. 23, no. 12, pp. 990–998, 2006.
36. M. S. Roth, A. B. Martin, and J. A. Katz, “Nutritional implica- tions of prolonged propofol use,” American Journal of Health- System Pharmacy, vol. 54, no. 6, pp. 694–695, 1997.